sábado, maio 31, 2014

Os Portugueses



Autor: Barry Hatton
Género:
História
Idioma: Português

Páginas: 305
Editora:
Clube do Autor

Ano: 2011
ISBN:  978-98-9845246-7
Título original: The Portuguese: a modern history
Tradução: Pedro Vidal
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Barry Hatton é inglês e vive em Portugal há 25 anos. Correspondente da Associated Press desde 1997, fartou-se de tentar explicar aos vários estrangeiros com quem falava onde ficava o nosso país, qual a nossa história, e porque escolhera viver cá. 

Quando o autor disse à filha mais velha, portuguesa e então com 15 anos, que estava a escrever o livro, a resposta imediata foi: «Oh pai! Não nos faças parecer um bando de saloios, que é o que toda a gente pensa de nós.»

Quando escreveu Os Portugueses, Hatton quis fazer um retrato moderno do país, explicar as nossas origens e como chegámos ao que somos hoje; acabou com um livro divertido e informativo, que revela, bem ou mal, bastante de nós como povo.
 «[Portugal é] um pingo de tinta seca da mão que escreveu Império.» (Fernando Pessoa)
Hatton acerta na mouche quando afirma que somos os nossos maiores críticos. Mandamo-nos abaixo com frequência e apregoamos que o que é estrangeiro é que é bom. Só reconhecemos o sucesso de um compatriota quando lá fora já foi enaltecido (Paula Rêgo, José Mourinho, Joana Vasconcelos, etc.).

Também não falha ao apontar o que está na base do desleixo a que o interior do país é votado em detrimento das capitais Lisboa e Porto, na forma como os nossos políticos usam o poder, no atraso cultural/económico/estrutural que décadas de ditadura provocaram.
  
«O Algarve continua a ter praias fantásticas, mas falta-lhe profundidade, tendo sido desenhado com a ideia em mente de uma quinzena de férias na praia.»
Ao longo de mais de 300 páginas, experimentamos orgulho e vergonha, conformismo e alguma raiva, ao perceber como calculámos mal, como fomos precipitados ou pouco visionários, quando demonstrámos qualidades admiráveis ao abrir o mundo a si mesmo com os Descobrimentos mas fomos incapaz de continuar a lutar por nos melhorarmos e assegurarmos um futuro autónomo e assente nos nossos recursos.

Há uma frase de Miguel Torga usada para nos descrever como povo que fascina Barry Hatton e que dá que pensar: «um pacífico colectivo de pessoas revoltadas». A sua actualidade é arrepiante, ainda mais nos tempos que atravessamos.

Os Portugueses é uma leitura didáctica e bastante curiosa, um retrato maioritariamente positivo feito por um estrangeiro que ama o nosso país, mas que não se deixou cegar, apontando de forma certeira as nossas maiores falhas e feitos. É claramente uma visão pessoal, revisitando os nossos maiores triunfos e pedradas no charco, ao mesmo tempo que desvenda a razão de alguns hábitos e ditos populares.

Entre anedotas e episódios caricatos, Os Portugueses é um apontamento inteligente e perspicaz.

****
(bom)

domingo, maio 18, 2014

Histórias de Mulheres


Autor: Rosa Montero
Género:
Biografia
Idioma: Português

Páginas: 239
Editora:
Edições Asa

Ano:
2002
ISBN:  972-41-3139-4
Título original: Historias de mujeres
Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
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Histórias de Mulheres não é um romance mas lê-se como um.

Leio poucas biografias porque não é um género que me interesse particularmente. Este livro, que já reli três vezes (!) é uma excepção, não só pelos nomes escolhidos mas pelos comentários lúcidos e às vezes poéticos da autora. É um livro muito bem escrito.

Rosa Montero tem uma consagrada carreira jornalística e ficou famosa, no país vizinho, pelas suas entrevistas. Trabalha no jornal espanhol El País desde 1977 e já editou 26 livros, 9 dos quais publicados em Portugal. Dela, ainda só li este.

Em Histórias de Mulheres, Rosa Montero traça o perfil de quinze mulheres que se destacaram e acabaram por marcar ou representar uma época, rompendo tradições, entre personagens mais conhecidas – Agatha Christie, Frida Kahlo, Emily Brontë, Simone de Beauvoir – e mais obscuras, como Laura Riding e Mary Wollstonecraft.

Numa narrativa perspicaz, a autora resume a vida de mulheres singulares, demonizadas por subverterem o seu papel. De épocas e nacionalidades distintas, todas têm em comum o desgaste de uma sociedade machista numa luta pela liberdade, pelo direito à diferença e pelo reconhecimento. 

«Quero dizer que metade da humanidade, a parte feminina, viveu durante milénios, uma existência frequentemente clandestina e em grande parte esquecida, mas sempre muito mais rica do que o molde social a que estava presa, sempre acima dos preconceitos e dos estereótipos.»


Umas biografias são verdadeiramente inspiradoras, com episódios de coragem e sacrifício artístico, enquanto outras são tristes. Alguns destes nomes estavam votados ao esquecimento, como o de Camille Claudel e María Lejárraga, e Montero deu-lhes voz novamente, o que me fez pesquisar a sua obra; isso fala por si.



Histórias de Mulheres é um livro recomendadíssimo, muito bom mesmo.

*****
(muito bom)

domingo, maio 11, 2014

A viragem decisiva


Autor: Andrea Camilleri
Género:
Policial
Idioma: Português

Páginas: 211
Editora:
Difel
ISBN:  972-29-0738-7
Título original: Il giro di boa
Tradução: António Maia da Rocha
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Gosto de policiais e estou sempre pronta a conhecer um novo autor.

Desta vez, decidi ler as aventuras de Salvo Montalbano, comissário de polícia na fictícia Vigàta e personagem recorrente nos premiados romances policiais do italiano Andrea Camilleri.

Montalbano é um bófia cinquentão cheio de calo que vive para apanhar criminosos, comer e beber bem. Neste livro, está desiludido com as notícias de corrupção na polícia, algumas das quais verdadeiras e bem próximas. Farto da podridão em redor, pondera demitir-se, apesar dos colegas o tentarem dissuadir.

Uma manhã, Montalbano está a dar umas braçadas na praia quando um cadáver com indícios de tortura esbarra literalmente com ele; este acontecimento leva o comissário à investigação de um caso que envolve o tráfico de pessoas e que o toca profundamente.
 
O que torna este policial diferente é o protagonista, como todos os policiais de referência (Poirot, Sherlock, Maigret, Nero Wolfe).


Montalbano é castiço e tem um humor corrosivo. A linguagem do livro é bastante realista e bem disposta, com calão q.b. A galeria de personagens é muito boa e a interacção entre elas arranca vários sorrisos e algumas gargalhadas, uma fórmula infalível. Acção, mistério e humor em doses certeiras, Camilleri descobriu um filão, sem dúvida.

Estou curiosa em ler mais livros com Montalbano.

****
(bom)

domingo, maio 04, 2014

A persistência da memória


Autor: Daniel Oliveira
Género:
Romance
Idioma: Português
Editora:
Oficina do Livro

ISBN: 978-989-7411076
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A persistência da memória marca a estreia de Daniel Oliveira nos romances.

Gosto do programa Alta Definição e tento ler autores portugueses sempre que possível, por isso quando uma colega de trabalho me emprestou o livro, não hesitei.

Camila Vaz é uma apresentadora de televisão com uma vida desafogada. O seu traço mais distinto é a memória, pois Camila tem o síndrome de memória superior, o que lhe confere a capacidade de se recordar ao pormenor de todos os acontecimentos da sua vida, tenham sido bons ou não.

Só o Rio de Janeiro me faria esquecer os pedaços de mim que não vieram. Deixei em Lisboa aquela Camila que não quero ser. Todas as outras que sou vieram comigo.

Pela voz da narradora, vamos passeando pela cosmopolita Nova Iorque e pelo escaldante Rio de Janeiro, assistimos a cenas de cama e de cumplicidade com amantes diversos e a episódios traumáticos envolvendo familiares e estranhos.

Os capítulos iniciais são promissores. Acho destemido o autor que tenta escrever pela voz do sexo oposto e estava receptiva. Não me identifiquei com a protagonista nem revi mulheres que conheço na mesma, mas entendi a mulher que Camila é.
 
Sempre me senti uma máquina de viver, cuja consequência foi criar tantas sensações quantas estivesse disposta a fruir.
 
Apesar de estar bem escrito e conter algumas reflexões bastante lúcidas e profundas, é um livro que acaba por se perder na mensagem. Gostei das notas sobre Fernando Pessoa e Salvador Dalí, embora a maioria estivesse presente na metade do livro que achei mais fraca. 

É bom ler em português, mesmo quando as expectativas saem goradas. A persistência da memória é uma estreia ambiciosa da qual esperava mais direcção e menos divagação.

***
(mediano/razoável)